quinta-feira, novembro 24, 2005

Auckland Redux

Bem, como tentar resumir os ultimos meses em Auckland ?
Assim como me lembrava, Auckland preza o lifestyle de seus moradores que possuem grana, fazendo da cidade um enorme playground a ceu aberto que so admite socios, deixando um chef de segunda categoria como eu a olhar do lado de fora da cerquinha branca e imaginar apenas como seria dar uma voltinha no carrosel com as criancas mais abastadas - intocavel, tao perto e tao longe, o dinheiro esta aqui, mas fora do seu alcance. Algumas alegrias distantes de Queenstown, no entanto se tornaram possiveis, a vasta variedade de restaurantes e vinhos a metade do preco de Queenstown foram uma compensacao e tanto, desde que eu leve uma vida espartana em outros sentidos da metropole.
Meu flatmate, se digna a simplesmente tratar a casa como um dormitorio, um lugar aonde apenas se dorme e joga-se suas tralhas fora do alcance do amigo do alheio, mas mesmo assim paga as contas em dia. Eu sou mais a favor de construir um lar, sua casa deveria ser seu templo, sagrado, intocado, aonde depois de uma dificil jornada de trabalho voce deveria ter prazer em voltar e imaginar que estara seguro, aquecido e intocado dentro dos perimetros sagrados que custam a bagatela de NZ$ 150,00 por semana; um preco muito baixo a se pagar por tudo isso, talvez ?
Na agencia, tive uma semana otima e ate que produtiva (visto que chego imprestavel la, depois da cozinha) e ate minhas relacoes ja desgastadas com o Eduardo estao se reestabelecendo - apos tanto tempo juntos, passamos a nos tratar as alfinetadas mas o aumento dos negocios da agencia tem sido muito estimulante para ambos (bem, mais para ele, que eh socio da agencia) e sinto que meu prezado amigo tem um futuro brilhante pela frente, ao contrario da minha insensata busca por um porto seguro, infindavel. Na real, somos dois ossos duros de se roer, verdade seja dita, e duvido seriamente que alguem alem da Simone (a esposa dele) consiga conviver conosco sem entrar em colapso absoluto e nos matar de madrugada, enquanto dormimos - nao podemos reclamar um do outro - nos merecemos, ate que o inferno nos una novamente, amem.
Na Sky city percebi que poucas coisas efetivamente mudam, as pessoas sao condicionadas a fazer as mesmas coisas, nas mesmas horas e falar sobre as mesmas fofocas sobre pessoas diferentes, ainda assim, nao diminuiu meu interesse e entusiasmo de aprender mais e mais, mas conhecendo como as coisas funcionam por la, aprendi que para se chegar a algum lugar na cadeia alimentar precisa-se de montantes impressionantes de tempo - coisa que nao tenho disponivel no momento, tenho 30 anos e ainda tenho flatmate, uma poupanca de menos de uma entrada para uma casa, e uma capacidade de aprendizagem infinitamente menor do que ha dez anos atras.
Ricky, meu supervisor, aparentemente gostou muito de mim, como amigo, confidente e parceiro de balada, comecando a cada dia ocupar mais e mais espaco na minha vida, definiria mais como todo espaco que tenho disponivel. Comecamos a sair para comer em restaurantes, apreciar a boa comida e bebida, ir tomar um cafe na beira da Queen St. e observar os malucos da cidade zanzando de cima a baixo; ate ai, nenhuma estranheza. Mas com o passar das semanas, ele tem se tornado presenca constante em meu apartamento, em meus dias de folga, em qualquer tempo livre que eu tenha e isso passou a me incomodar um pouco - a namorada dele, alema, ja me incorporou muito amigavelmente e nao se incomoda de me carregar junto para cima e para baixo, mas percebeu que meu incomodo crescia a cada dia e comecou a dar toques nele (infelizmente, na minha presenca) e me tratam como uma crianca de dez anos sentado no banco traseiro do carro discutindo o que eu deveria ou nao fazer. Um desses dias, Ariane, a namorada dele, foi internada com um possivel problema neurologico e Ricky veio ate a minha casa me buscar (no meio do meu sono) para visita-la no hospital, eu estava extremamente cansado, mas claro que em uma hora dessas nao se pode dizer nao.
Chegamos ao hospital, ela parecia bem e estava com ressonancia magnetica marcada para o dia seguinte, fariam um check up total na manha seguinte e etc... ...apos deixar o hospital, seguimos para um restaurante asiatico (ele queria) para conseguir um jantar, meio a contragosto fui, cheguei as onze da noite em casa e tive que acordar as tres da manha para trabalhar - exausto, mas o que nao se faz por uma boa causa. Os dias se seguiram, e a cada tarde, depois do escritorio ele passa em casa para me acordar, e acreditem, a determinacao que ele tem nessa tarefa nao tem limites : Telefones (celular e fixo), interfone, buzina e berros fazem parte do repertorio criativo dele. Acordo, descabelado, de cuecas (percebo tarde demais antes de ir ate a sacada, toda a vizinhanca sabe que tipo de cuecas eu uso) e vou falar com o cara na esperanca que ele perceba que estava dormindo e que pretendo continuar nessa ardua tarefa. Nada funciona, sou carregado do mesmo jeito.
Anteontem, apos a cozinha, ele me fez ligar para o Eduardo (que nao deve ter ficado nada feliz) e quis que fosse com ele e Ariana jogar mini-golf em Albany, North Shore, e acabei ligando meio a contra-gosto mas com um certo prazer pois estava aos pandarecos e achei que um mini-golf requer menos atencao e responsabilidade que um escritorio lotado, precisava de um descanso, seja qual ele fosse.
Fomos para Albany, jogamos mini-golf, andamos um pouco pelos arredores e paramos em Takapuna para esperar que o trafego diminuisse enquanto tomavamos uma cerveja comendo alguma coisa. Cerveja tomada, barriga cheia de batatinhas, embora para casa, claro - e foi ai que o bicho pegou - ao chegar na cidade, pedi que me levassem para casa, nao aguentava mais as minhas costas, minhas pernas estavam bambas, minha mente imersa em uma escura nuvem de cansaco,sinceramente, nao aguentava mais discussoes de casal que sempre acabam em demonstracoes publicas e embaracosas de afeto. Sem me perguntar mais nada, Ricky vira o carro direcao oposta, me avisando que iriamos para o melhor restaurante indiano de Auckland, eu nao podia suportar aquilo, alem de nao estar com disposicao necessaria para aguentar o ritual estacionamento/mesa a escolher/entrada/principal e conversa sem muita animacao (falar do que ? nos vemos todos os dias) teria ainda que encarar o pesadelo maior que era comida indiana - simplesmente vai contra tudo que eu penso sobre prazer gastronomico, disse que nao, muito obrigado, nao queria comida, ainda menos indiana, Ariane tentou convence-lo a me levar, mas ele nao deu ouvidos, mais uma vez. Sentei na mesa do restaurante resignado, tentei fazer daquela uma experiencia positiva, mas o aroma forte de Curry no ar fazia meu estomago se contrair e enviar mensagens expressas ao meu cerebro de "mesmo sabendo que estou prestes a ser violentado, voce vai permitir isso ?" ou entao "Cerebro, amanha farei com que voce lamente por isso" ... Enfim, os pelos de meu braco se arrepiaram, a musica indiana a todo volume nao ajudaram e o bigode espesso do garcom de dezesseis anos no maximo me deram a impressao de estar numa comedia barata, simplesmente nao consegui relaxar, alem de estar emputecido de nao poder dormir.
Pedi um vinho para clarear as ideias - Gerwustraminer, citrico, perfumado, perfeito, o sabor era refrescante e o after-taste com acidez na medida certa, me senti ligeiramente melhor e ate ignorei mais uma discussao matrimonial sobre qual seria a melhor prioridade para uma vida melhor: casa ou carro ? E demais para um ser humano.
A comida foi escolhida pelo Ricky, ainda tentando me convencer que Indiano eh o must - a entrada foi uma Samosa gigante com uma massa que parecia de pastel, o cheiro forte de curry se espalhou pela mesa e comecei a sentir calafrios, rezei por um blackout, um Tsunami, qualquer coisa que me desse a chance de correr porta afora sem ofender meus anfitrioes. Primeira garfada, a massa sem muito sabor e encharcada de oleo com uma parte do recheio cremoso (meio seco) de curry e pedacos de batata parecia crescer na minha boca, quanto mais eu mastigava mais eu sentia que nao poderia engolir aquele troco, mandei uma talagada no vinho para empurrar e disfarcei minha cara de repudio enquanto Ricky contava suas estrelas, comentando sobre a iguaria, a preparacao,bla-bla... ...mais uma garfada e mais uma talagada de vinho e em seguida eu ja estava chamando o bigode de lava-rapido para me trazer mais uma taca, percebendo o desespero em meus olhos, fui prontamente atendido, o curry queimava minhas entranhas, meus olhos tentaram nao saltar para fora das orbitas, o fino suor escorria pela minha testa enquanto tentava disfarcar os arrepios pela minha espinha se estendendo por todo o corpo, meus testiculos rumaram norte particularmente quando uma pelota de curry puro veio parar em minha boca, cheguei a conclusao que todos os indianos podem praticar sexo anal numa boa, se aquilo nao machucasse ninguem ao ponto de correr para um proctologista, nada mais o faria.
Deixei metade no prato, retirado da minha frente quase que com um suspiro de alivio, (que durou apenas vinte segundos antes dos pratos principais chegarem),o main affair era composto de uma massa torrada, em folha, enrolada e com um recheio surpresa do qual nao estava euforico para descobrir - resolvi pedir mais uma taca de vinho por garantia, talvez nocauteando meu cerebro com alcool, todos os outros sentidos se fossem tambem. Ledo engano.
A tal massa, Ricky explicou que so poderia ser feita por especialistas, cruzava o prato de ponta a ponta saindo para os lados do prato, e vinha acompanhada de dois molhos em um potinho, um vermelho e um branco, e um outro potinho que parecia ser uma sopa de curry, o cheiro me intoxicava, pavor, panico, desespero - Deus, cade meu blackout ?
Bem, cara feliz, cortei a massa crocante e macia ao mesmo tempo, talvez nao fosse tao ruim assim - adivinha qual era o recheio ? CURRY E BATATA !! Mais uma talagada de vinho, apelei para os molhos, a sopa era curry puro e nao aliviou, os outros dois eram a base de coco ralado e vejam so : Curry again.
Engoli o maximo que pude da coisa, sem molho algum e deixei mais da metade do prato, agora alem de meio-bebado, exausto e mau-humorado agora estava prestes a uma indigestao secular. A cozinha indiana se caracteriza por excessos, redundancias e um certo apelo rustico que juntos remetem apenas a vulgaridade, na minha opiniao, nao importa quais sejam os ingredientes, tudo sera apagado pelo sabor do curry e desnecessariamente apimentado - nao importa se eh uma batata ou uma lagosta, o sabor do curry sempre ira imperar.
Terminamos nossa refeicao com um certo ar de constrangimento, para nao ter que quebrar o silencio da mesa com meu mau-humor, entornava vinho tentando nao pensar no que isso causaria somado aquela pimenta toda, e tentando nao voar na carotida do Ricky por mais uma vez nao ouvir o que eu quero e me impor o que ele acha que eh bom.
Tivemos uma breve conversa antes de pagar a conta, ele me contou como devemos experimentar de tudo e eu comentei que apesar de ter absoluta certeza de nao gostar de comida indiana, e comentar, mais uma vez ele nao me deu ouvidos.

Na manha seguinte, apos cinco horas de sono e retumbantes gases mortais de curry, cheguei ao trabalho as quatro da manha em um estado deploravel : barba por fazer, olheiras profundas e as promessas de vinganca de meu estomago se fazendo verdadeiras - duas idas de emergencia ao banheiro e toneis de agua nao fizeram muito efeito e acreditem, o curry nao saiu de melhor maneira que entrou, suor, lagrimas, calafrios, urros foram parte da trilha sonora ate as oito da manha - era extenuante, eu estava acabado.
Com a chegada do Verao, o movimento nos restaurantes aumentou 100% quase que de uma hora para outra, os pedidos para a cozinha triplicaram e eu continuei um so - corri, me desdobrei, gritei, minha jugular se expandia a cada novo problema, a cada falta de um forno livre, a cada batelada de caixas de oleo que chegavam em carregadeiras esperando para serem postas em seus lugares - sim - eu vi o inferno, e queimei nele, amaldicoei cada pedaco de samosa, cada hora de sono perdida, amaldicoei Ricky por tomar tanto meu tempo nas ultimas semanas. E como coisas ruins vem em tres, o meu dia de folga, marcado para ser o seguinte, foi mudado para um dia adiante em cima da hora - eu simplesmente odeio isso - diga-me por exemplo "Ricardo, semana que vem, na quinta, vamos enfiar um ferro em brasa no seu rabo e fazer voce guinchar como um porco, mas na Sexta voce esta de folga", claro que nao ficarei mais feliz com a noticia, mas vou apreciar a semana de antecedencia que me deram e marcar um proctologista.
Enfim, como se mais nada pudesse piorar, Ricky me mandou fatiar 30Kgs de pepino no Mandolin, e apos tanto cansaco, falta de sono e mau-estar, depois dos primeiros 20Kgs fica facil perder a concentracao; fatiei meu dedao direito mandando metade da minha unha para a assadeira - se ate agora eu estava puto, agora eu estava furioso - senti a veia da minha testa inchar, a dor lancinante no dedo se espalhava para a minha mao, descendo para o estomago e subindo, queria matar, estrangular, cortar, dilacerar, gritar, queria simplesmente homicidio - virei para o Ricky, que me olhava agora com uma expressao de terror, tentando minimizar a tragedia (inutilmente) ele me disse "agora voce perde o medo de usar o mandolin", apenas me virei e fui fumaceando pegar a caixa de primeiros socorros.
Apos conter o sangramento, ataduras e faixas em posicao, voltei ao trabalho - foram longas horas tentando ignorar a dor, meu corpo nao respondia mais, estava exausto, exilarado, cada assadeira carregada era extenuante,eu simplesmente nao podia mais.
O turno acabou, as duas da tarde, Ricky se vira e me pergunta "O que voce vai fazer agora ?".
E eu respondi "Trabalhar no escritorio e dormir" fulminando ele com meu olhar.
Apenas quero justificar, que nas ultimas duas semanas, ele tem me acordado, me impedido de dormir, me carregado para fazer tudo que ele quer fazer, sendo que eu acordo as tres da manha para trabalhar, e ele acorda as sete (alem do fato de ele fazer a tabela de horarios) e fiquei incomodado com essa intromissao, essa obssessao que ele desenvolveu - talvez seja o fato de ser o unico amigo ocidental que ele tem, somado que eu sou o ocidental diferente : menos frio que os Kiwis, mais amigavel que os europeus - Brasileiro. Mas mesmo tendo um blog, contando toda a minha vida para o mundo, tem uma coisa que eu privo, o meu espaco pessoal, meus limites que jamais devem ser cruzados e sou intolerante com excessos dessa natureza.
Hoje, estou de folga, uma atadura do tamanho do mundo no dedo - mas nem sinal do Ricky - talvez no Sabado, a gente va tomar uma cerveja.
Acho que ele entendeu - sou sozinho - por opcao, nao por disponibilidade.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Lula tem semana dificil.

http://www.estadao.com.br/nacional/noticias/2005/nov/20/88.htm
Lula tem semana dificl pela frente

O presidente da Republica tem uma carga pesada a carregar esta semana, vai acordar as tres da manha todos os dias da semana (menos quarta, que eh o dia de folga do presidente) e estar as quatro depois de uma caminhada ingreme ate o trabalho, pegar seu uniforme no roupeiro e estar vestido e pronto para o trabalho as quatro, quando tem que carregar o carrinho com tudo que vai usar, fazer sanduiches, carregar as caixas de pao, descarregar 25 caixas de oleo de vinte litros, por todos os secos nas prateleiras, cortar vinte kilos de batatas e por no forno a vapor por vinte minutos, tirar e ensacar a vacuo em pacotes de dois kilos, fazer 60 litros de maionese em uma batedeira monstro, carregar a maionese ate a geladeira, cortar cebolas em tirinhas (uns dez kilos pelo menos), fazer saladas mil, empacotar a vacuo e entregar nos restaurantes, quebrar o pau com o cara da producao para poder usar a merda da preciosa cozinha dele, carregar caldeirao fervendo com 40 litros de sopa fervendo, descascar, cortar, empacotar, limpar tudo e ir embora para o segundo emprego, fazer contabilidade, arrumar micro (ou tentar), etc...
E enquanto ele faz tudo isso, eu estou sentado no Palacio (aquele) planejando o churrasco na granja para espairecer meu stress.

Dai, eu acordo, sao tres da manha e ta na hora de trabalhar.
E ele, sera que acorda ??

sábado, novembro 12, 2005

Aos sabores da vida.

Qual a maior vantagem de ser um chef ?
Apos algum tempo, se aprende a aticar o paladar, olfato e visao que se tem de ingredientes, temperos, cores e texturas do que a maioria das pessoas "civis" com costumo chamar na cozinha - a partir dai, nao so seu estomago mas seu cerebro passa a ter conexao direta com a comida, o paladar e ate pode-se imaginar como sao os paises dos quais se prova uma comida tipica, pode-se tentar descobrir se o povo eh hospitaleiro, dinamico, relax... ...pode-se dizer muito, sem uma so palavra ser proferida.
Apos anos com terror absoluto a pimenta (pimenta ardida, claro) estou encontrando perolas da cozinha internacional em lugares absolutamente obscuros e dos quais jamais entraria em nenhuma hipotese. Ricky, o supervisor da minha cozinha, virou um grande amigo - ele eh da Malasia, e tem me ensinado as saladas tipicas (que sao servidos no Fortuna, o restaurante do qual sou responsavel pelas saladas) e sobre a cozinha asiatica em geral. Apos o trabalho, saimos feito duas comadres diretamente a restaurantes asiaticos para provar o que cada pais tem de bom - um em Avondale, uma portinha com cara de pe-sujo e apenas duas mesas na cara de um balcao daqueles de emporio e um senhor com cara de poucos amigos serviu para comecar. Deixei meu anfitriao pedir e esperei pelo pior, uma catastrofe gastrica estava prestes a se seguir em minha cabeca e ja imaginava que meios curiosos e nada agradaveis meu estomago iria tentar se livrar da comida. Pelo menos o chefe estava comigo para saber o que causaria minha fatal convalescencia, menos mal.
Ao chegar os pratos (minto, o prato - o velhinho cozinha prato a prato separadamente, nao importa quantas pessoas estao esperando, e serve um de cada vez, faz muita diferenca isso) um prato imenso, colorido, com muito broto de feijao, legumes de um verde escandalizante fresco e tiras de carne macias entre um tipo de macarrao de arroz chato e curto, o aroma do tempero a base de soja, misso, oleos e folhas da Malasia com toques de cominho simplesmente nao deixam que se concentre em mais nada ao redor, o cominho lembrava terra fresca, um certo cheiro fresco dizia que o lugar era quente, tropical ate, e os sabores e a quantidade de comida diziam Bem-vindo, era como estar provando um prato na mesa de uma familia local, feito com tudo que havia disponivel na despensa, e o sabor residual na boca me lembravam as cores laranja e vermelha, nas casas, nos postes, nas roupas. Pode ser que tudo isso esteja errado, que eu chegue la um dia e tudo seja rosa, sei la, mas a experiencia eh completa - especialmente pelo drink de cha verde e lima-da-persia gelado que parecia apenas exaltar tudo aquilo, preparando meus sensos para mais uma garfada perfeita. Nao sobrou nem um so pedaco de nada no prato ou gole na garrafa.
Pagamos uma mixaria pela comida, mas agora o ambiente do restaurante havia mudado completamente em minha percepcao - o lugar nao era barato, sujo ou relaxado : era tipico.
A segunda parada era um restaurante chines, daqueles que ja estao por lah ha um bom tempo com a vitrine escrita naquelas letras indecifraveis e com a prosaica vitrine ostentando patos degolados, defumados e depenados (gracas a Deus) pendurados em ganchos ao sabor do tempo e o vento : em quaisquer outras condicoes nao entrava la nem a pau - mas coragem, sabemos o que queremos e queremos aventura ao palato.
Entramos, o restaurante era amplo por dentro e tinha aquele ar barato que soh os chineses sabem dar a um ambiente, paredes que pareciam folhas de eucatex, uma parede com placas de espelhos em uma tentativa nada esforcada em sofisticar o ambiente e tudo meio que com uma cara de anos 70 (quando provavelmente o lugar foi aberto) e sobretudo lotado, muito lotado. Restaurante cheio eh sempre um sinal bom, e o fato de ter muitos rostos ocidentais (basicamente kiwis, locais, em ternos e saltos altos em hora de almoco) me animou bastante, as mesas usadas e gastas davam um certo sinal de solidez e o caixa parecia uma escrivaninha montada na sala de uma casa em Pequim, daquelas cheias de penduricalhos, talismas e bibelos para afugentar os mau-espiritos (nao funciona, nao tive vontade de sair correndo em momento algum) e apesar do horario do rush, fomos prontamente atendidos e postos em uma mesa aos fundos - se existe uma coisa que os chineses prezam eh atendimento instantaneo, em segundos uma sorridente chinezinha chegou com cardapios, cumbucas, hachis e um garfo para mim, visto que eu era o elemento x da situacao (eu sei usar os pauzinhos com maestria, nada ficaria entre eu e minha comida, acreditem) e teve a maior paciencia do mundo enquanto tentavamos decifrar o que tinha uma foto para ilustrar.
Em minutos, as porcoes foram chegando - peito de pato defumado em um molho estilo teriaky, sabor puxado no mel e soja, cozido a perfeicao em apenas alguns minutos (lembrem-se, eles so fazem comida mediante ao pedido, se voce ja viu a extensao de um cardapio chines, sabe o que estou falando) e mais uns minutinhos, uma versao de nosso porco pururuca, cortado em fatias finas e largas que pareciam laminas, a casquinha crocante e a parte interna esbranquicada (olhando, nao era nada inspirador) pensei imediatamente no trabalho de fritar uma bola de pele e gordura que provavelmente teve de ser costurada, para manter a parte interna macia e firme para nao se esfacelar ao corte. Ao primeiro contato do porco com minha boca, ja podia sentir minhas arterias se entupindo, seria o primeiro caso de infarte fulminante por um unico pedaco de porco, mas ao sentir a textura, o gosto firme sem ser impregnante, nem tao insosso nem salgado ao ponto de sufocar, tive imediata paixao pelo pequeno prodigio : danen-se minhas arterias, afinal os chineses vivem mais de cem anos comendo porco e pato, minhas pobres arterias coronarias ocidentais teriam que entender isso.
O prato principal chegou - uma grande travessa oval coberta por macarrao oriental, de uma cor escurecida (o macarrao era levemente frito em uma wok) coberta por vegetais de cores vivas, salteados no oleo de gergelim, gengibre, misso, e o resto que nao sei fica pela magia. No topo de tudo isso, costelinha de porco cortada bem pequena, estilo honey-barbecue, macias, tenras, em um molho espesso e escuro.
Desta vez, o sabor era de tradicao, jantares entre familias e amigos com todos sentados em uma grande mesa de madeira escura, a receita passada por geracoes, os alimentos chegando em cestas de sisal e bambu e clima chuvoso - que estimula as pessoas a fazerem mini-banquetes, comerem juntas, entreter-se uns aos outros, o cha chines de jasmin servido dava a lembranca de mulheres, chinesas, usando seda e flores nos arranjos dos cabelos impecavelmente presos. A partir dai, o restaurante obscuro da viela ganhou outro ar - tradicional.
Ao terminarmos, fiquei na esperanca de um grupo de cozinheiro chineses me carregar ate o lado de fora e me colocar em um taxi - estava empanturrado - e a conta, novamente foi uma baba.
Entre algumas coisas que ja experimentei, peixe frito com barrigada e tudo (na Indonesia), me causou arrepios, mas novamente era um restaurante pequeno em uma vila de pescadores no qual o chef (o filho mais velho) servia e sentava-se na mesa conosco, fazendo com que os comensais comam queiram ou nao. Nao me arrependi, e cada vez que provei de novo aqui, Amed na Indonesia, aquela praia, as palmeiras, o calor do Sol voltam imediatamente a minha lembranca.
Sabor: um dos sentidos mais mnemonicos que existem.

No Rain

No Rain

All I can say is that my life is pretty plain
I like watchin the puddles gather rain
And all I can do is just pour some tea for two
And speak my point of view but itts not sane, its not sane

I just want someone to say to me
I'll always be there when you wake
Ya know I'd like to keep my cheeks dry today
So stay with me and I'll have it made

And I don't understand why I sleep all day
And I start to complain that theres no rain
And all I can do is read a book to stay awake
It rips my life away but its a great escape...escape...escape

All I can say is that my life is pretty plain
You don't like my point of view
Ya think that I'm insane
Its not sane... its not sane

I just want someone to say to me
I'll always be there when you wake
Ya know I'd like to keep my cheeks dry today
So stay with me and I'll have it made

domingo, novembro 06, 2005

Morbidez eletronica.

Hoje, li uma noticia sobre uma jovem que cometeu suicidio no Rio, e que morou na Australia ano passado.
Fiquei curioso para saber se ela ja teria passado pela agencia da Information Brazil, AEC, e se a galera de la conhecia a moca.
Lembrei de um texto da minha amiga Rafaella no site www.ideiasmutantes.com.br sobre um cara que havia cometido suicidio e as pessoas mandavam mensagens atraves do Orkut para ele, entao fui tentar descobrir por uma busca no Orkut se ela havia estudado na Australia e aonde, etc... Pura curiosidade.
Ao entrar, me deparei com scraps de pessoas - milhares - amigos, desconhecidos e pasmem, muitos que leem as noticias no jornal e vao direto procurar pelo nome no Orkut (inclusive deixam scraps, alguns, nada agradaveis) e fiquei a pensar nos velhos tempos aonde a privacidade ainda existia - nao que eu esteja julgando nada, afinal eu tenho um blog !! Eu me exponho para conseguir atencao tambem, mas isso eh o tipo de sensacao que se tem quando as pessoas veem um acidente de transito e resduzem a velocidade mais para poder ver a cena, do que prezar pela seguranca das pessoas prestando socorro.
A violencia eh fascinante - e nossas vidas sao tao normais...

Causos da Cozinha

Esses dias, estavamos em mais uma daquelas tardes com tarefas longas, daquelas que tomam horas so em frente da bancada cortando, fatiando, melecando, temperando e tudo que terminar em ando que a cozinha oferece - estavamos cortando Polvo (tem que fazer os cortinhos xadrezadinhos com a faca em cada um, um saco) e comecamos a contar causos da cozinha.
Eu particularmente me lembrei do dia em que recebemos as entregas frias em Queenstown, e tinha que enfiar tudo em nossa minuscula camera fria que por sinal, ja estava abarrotada ate o teto. Como manda o figurino, eu teria que tirar tudo de dentro, checar os baldes, ver o que dava para jogar em recipientes menores, jogar fora o que nao se usaria mais, limpar o chao, as prateleiras e so ai por tudo para dentro.
Chequei as Lagostas (que chegam vivas e agitadas) que chegaram em uma caixa de isopor, contei a quantidade (oito) e pus a tampa de volta e meti a cara na faxina antes que alguma coisa estragasse. O processo todo deve ter levado entre 30 e 40 minutos, comecei a por as caixas para dentro da camara, quando notei o isopor das lagostas - haviam apenas umas duas ainda tentando escalar a parede da caixa.
Sentindo a (horrivel) morte iminente, as desgracadas deram um jeito de abrir a tampa e se mandar - para o meu panico, cada uma custava por volta de quarenta dolares - sai desesperado pela cozinha procurando.
Uma horda de lagostas fugitivas, ao contrario do se que pensa, nao eh uma classe unida ou organizada : elas vagaram erratica e erroneamente em seu caminho por liberdade e tive que buscar uma embaixo do imenso freezer de 500kgs, outra embaixo de uma bancada fixa, outra rumando para a lavanderia nos fundos, uma aparentemente decidiu que o caminho ao banheiro seria o mais seguro a se tomar, uma estava a apenas um metro de distancia no chao da cozinha (acho que ofegante) amaldicoando a falta de exercicios regulares e alimentacao saudavel e apenas uma Lagosta com QI de Einstein (julguei ser a lider da rebeliao) marchava triunfante pela porta dos fundos em seu glorioso caminho ao Lago Wakatipu (levariam horas ainda, mas pelo menos ela tomou a direcao certa).
A situacao era surreal, ate porque eu pensava :
a) No prejuizo que eu ia levar;
b) No absurdo de conseguir perder lagostas, que em terra sao tao velozes quanto as tartarugas;
c) No mico que iria pagar em frente a todo staff.
Felizmente, era no meio da tarde, antes do jantar e ninguem estava na cozinha alem de mim. Ninguem riu da minha cara, a nao ser as lagostas.

Quem ri por ultimo, ri melhor - senti um prazer indescritivel ao atirar cada uma em uma panela fervente...

Mais um dia de domingo...

Domingo deveria ser um dia sagrado, para todos, para descansar, para passear, para ficar bundando sem necessariamente ter que fazer alguma coisa por que eh Domingo (como acontece no Sabado, as pessoas saem de casa por que eh Sabado e quem eh alguem nessa vida, sai no Sabado) mas o tal do Setimo dia (ate hoje nao sei bem esse negocio, uns dizem que nao) foi projetado para apenas uma coisa: se fazer o que quer, geralmente.

Meus Domingos costumavam ser pacificos/agitados/preguicosos dependendo do que eu quisesse : em alguns, ficava em casa deitado na cama de meus pais assistindo TV, outras eu passava em casa de amigos batendo papo, jogando truco, etc... e outros raros a beira da represa, andando de bicicleta, matando tempo.
Quando Deus criou a Terra, descansou no setimo dia, entao que raio eu fiz errado para perder meu direito sagrado a esse dia de conforto ?
Lembro de meu ultimo Domingo no Brasil antes de vir para ca, pela primeira vez quando meu pai chegou e se deparou com o corpo estendido na cama (dele) e me perguntou como seria meus domingos na Nova Zelandia, e eu sem pensar muito respondi "trabalhando, provavelmente" - comprovando a primeira praga auto-rogada da historia, so um imbecil como eu faria uma coisa dessas mesmo.
Hoje eh Domingo, e quando fui trabalhar ainda era Sabado a noite, as pessoas zanzando por ai, bebendo, rindo, os bares lotados e eu passando de cara inchada, cracha pendurando no pescoco ao sabor do vento e meus passos ficavam cada vez mais devagar, em proporcao inversa a distancia que eu chegava ate a cozinha.
Claro que depois de duas horas de rabugice e mau-humor eu comeco a construir um certo prazer em trabalhar, eu gosto do meu emprego nao me entendam mal, mas de pensar que o Domingo estara raiando la fora enquanto eu ficarei ate as tres, quatro da tarde aqui nao eh justo. Nao que o trabalho seja injusto, ninguem poe nenhuma arma na minha cabeca para eu ir trabalhar, pelo contrario, eu pedi as horas extras para sanar meus probleminhas pequenininhos de falta de fundos que causam minusculos transtornos tais como panelas brilhando (por falta de uso, em casa), sindico brabo e aquela maldita caixa indiana do supermercado torcendo o nariz cada vez que a transacao sai como nao aprovada. Como disse, nada que me cause maiores transtornos.
Mas deve ser apenas porque, o Sol e os Domingos raiam para todos.

Pelo menos as Segundas nao significam nada para mim.
 
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